quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO
16/11/2007
“Por Paulo Ghiraldelli Jr.”

Max Weber (1864-1920)

A Ética protestante e o “espírito” do capitalismo é uma das obras fundadoras da sociologia moderna, e o trabalho mais conhecido de Max Weber (1864-1920). Weber cria um “tipo ideal” de capitalismo, assim como cria “tipos ideais” de indivíduo, sociedade, etc. Este clássico da literatura sociológica é a tentativa de uma resposta à pergunta de Weber do por quê os protestantes eram mais hábeis no comércio que os católicos. Ao explicar que o capitalismo é um produto religioso, ele faz uma importante historização das religiões protestantes, explicando como estas se originaram, seus dogmas, e sua contribuição para o capitalismo.


A ética é um livro que abrange vários campos científicos: teológico, educacional, econômico, sociológico, moral e político.

1. Introdução.

A civilização Ocidental apresentou um grande desenvolvimento universal quando comparado ao Oriente. Somente no Ocidente a “ciência” poderia ser considerada como válida, assim como a arte, a escola e o capitalismo. Mas por que o Oriente não alcançou o mesmo desenvolvimento do Ocidente? Porque o “racionalismo” ocidental é específico em relação às outras formações culturais. Mas para se chegar a uma resposta plenamente satisfatória, deve-se levar em conta outros fatores, como uma análise neurológica, psicológica, histórica e sociológica, do problema. Para saber o que é o “espírito” do capitalismo, precisamos antes saber o que é capitalismo para Weber.

Weber (1987, p. 02) definiu o capitalismo, de uma forma geral, como “uma ação econômica capitalista (…) que se baseia na expectativa de lucro através da utilização das oportunidades de troca”. E a organização moderna do trabalho só foi possível porque se estruturou no trabalho livre.

I – O problema.

1. Filiação religiosa e estratificação social. Os protestantes estavam muito mais inseridos no comércio do que os católicos, tanto na qualidade de empregados qualificados, como supridores dos maiores lucros. Essa relação entre a religião e o capitalismo chamou a atenção de Weber. As religiões protestantes teriam algum elemento que educava seus fiéis para o capitalismo? A resposta deve ser investigada através das crenças religiosas protestantes, em comparação com as crenças católicas.


Max Weber e irmãos


O provérbio “coma ou durma bem” consegue explicar a grande diferença entre o protestante e o católico. O primeiro prefere saciar-se, já o segundo prefere dormir sem ser perturbado. E para o capitalismo, quanto mais “fome” você tiver, melhor. Dentre as religiões protestantes, o calvinismo não era a mais numérica na época da expansão do protestantismo, mas esta era qualificada como a “essência da economia capitalista”, em qualquer dos países que surgiu. Ela desenvolveu o espírito do capitalismo muito mais do que o luteranismo, por exemplo. Já a igreja romana, diferentemente das religiões protestantes, recusava os prazeres materiais para que o espírito se mantivesse fortalecido em Deus. Esta diferença entre o católico e o protestante foi essencial para o diferente desenvolvimento das duas religiões no capitalismo.

2. O “Espírito” do capitalismo.

Nesse capítulo, as principais coisas que Weber explica são o que é a “ética social”, e o “espírito do capitalismo”. O conceito de “ética social” pode ser representado pelo seguinte parágrafo: E, na verdade, esta idéia peculiar do dever profissional tão familiar a nós hoje, mas, na realidade, tão pouco evidente, é a mais característica da “ética social” da cultura capitalista, e, em certo sentido, sua base fundamental. E uma obrigação que o indivíduo deve sentir e que realmente sente, com relação ao conteúdo de sua atividade profissional, não importando no que ela consiste, e particularmente, se ela aflora com uma utilização de seus poderes pessoais ou apenas de suas possessões materiais (como “capital”) (WEBER, 1987, p. 33-34). Weber chama atenção para o fato do “espírito” do capitalismo ter precedido o capitalismo em Massachusetts. O “espírito” estava presente antes do “desenvolvimento capitalista”. O “espírito” do capitalismo é um impulso particular. Não se trata de qualquer impulso para ganhar dinheiro. O “espírito” e a forma capitalística de uma empresa geralmente não têm uma interdependência necessária. Este é o “espírito” (moderno) do capitalismo.

A questão das forças motivadoras da expansão do capitalismo moderno não é, em primeira instância, uma questão de origem das somas de capital disponíveis para uso capitalístico, mas, principalmente, do desenvolvimento do espírito do capitalismo. Onde ele aparece e é capaz de se desenvolver, ele produz seu próprio capital e seu suprimento monetário como meios para seus fins, e não o inverso (WEBER, 1987, p. 44-45).


Max Weber (1864-1920)


A relação atual entre o “espírito” do capitalismo e a religião é diferente da relação original. As pessoas que hoje estão dominadas pelo “espírito” do capitalismo são indiferentes e não hostis com a igreja. Os homens modernos existem em razão do seu negócio, e não mais em razão da religião, de Deus. O “espírito” do capitalismo, de origem religiosa, perde posteriormente seu conteúdo religioso. Os trabalhadores se relacionam com o capitalismo de forma tradicional. Quando se aumenta o salário, espera-se que o trabalhador se anime para trabalhar mais, conseqüentemente ganhando mais. Mas não é isso o que acontece. O trabalhador começa a trabalhar menos. Ele trabalha apenas para atingir o valor que é necessário para suprir suas necessidades. Então, o aumento de salário não estimula a produção, e sim o contrário. Mas por outro lado, a diminuição do salário não estimula (a longo prazo) a produção. Qual seria então a solução para aumentar a produtividade? Para que isso ocorra, o trabalho deve ser estimulado, executado como uma “vocação”. “Tal atitude, todavia, não é absolutamente um produto da natureza. Ela não pode ser provocada por baixos salários ou apenas salários elevados, mas somente pode ser o produto de um longo e árduo processo de educação” (WEBER, 1987, p. 39).

3. A concepção de vocação de Lutero; Tarefa da investigação.

Martin Lutero

“Vocação” é uma expressão contemporânea. É uma palavra de conotação religiosa, mas com sentindo diferente do texto original da bíblia. A “vocação” é uma valorização do trabalho cotidiano, do cumprimento do dever. Este termo começou a ser manifestado na era helenística. É neste conceito que está todo o dogma do protestantismo, pois o único modo de vida aceitável para Deus é o cumprimento das tarefas, imposta pela sua posição no mundo. Este conceito de vocação permaneceu de forma tradicional. O trabalho vocacional é uma tarefa ordenada por Deus na qual cada indivíduo deve adaptar-se a ela. II – A ética vocacional do protestantismo ascético.


Martin Lutero

4. Fundamentos religiosos do ascetismo laico.

Neste tópico serão investigados quatro principais representantes religiosos do ascetismo laico: o calvinismo, o pietismo, o metodismo e as seitas que se originaram do movimento batista.

A. O calvinismo: O calvinismo foi uma religião principalmente de países capitalisticamente desenvolvidos, como Inglaterra, França e Países Baixos. Seu dogma mais característico era a doutrina da predestinação, e este foi encarado e combatido como sendo um grande elemento de perigo político. Um exemplo de predestinação é que alguns homens estão predestinados à vida eterna, e outros não. Para Calvino, conforme surgiam mais polêmicas e controvérsias, a importância desse dogma aumentava. O interesse religioso do calvinista “não está no homem, mas somente em Deus. Deus não existe para os homens, mas estes por causa de Deus. E tudo o que acontece (…) só pode ter algum sentido como meio para a glória e a majestade de Deus” (WEBER, 1987, p. 71).

João Calvino (1509-1564) nasceu em Noyon, na França

Para o homem que vivia na Reforma, a coisa mais importante era encontrar sua salvação eterna. Mas o caminho para encontrar sua salvação era solitário, pois nessa busca ninguém poderia ajudá-lo. “Nenhum sacerdote, pois o escolhido só por seu próprio coração podia entender a palavra de Deus” (WEBER, 1987, p. 72). A confissão também era um ato solitário. Não se deveria confiar e nem contar nada de comprometedor a ninguém, pois o único e verdadeiro confidente era Deus. No calvinismo, o mundo existia para glorificar a Deus e cumprir os seus mandamentos. Um dos mandamentos que deveriam ter prioridade para o crente era o “amor ao próximo”, mas com caráter objetivo e impessoal. Mas esse “amor ao próximo” deveria ser também um amor para si próprio, pois Deus só ajudava quem se ajudava. Assim, às vezes, o crente criava sua própria salvação, ou melhor, a convicção disso. O calvinista era um instrumento da vontade divina.

O Deus do calvinista requeria de seus fiéis, não apenas “boas obras” isoladas, mas uma santificação pelas obras, coordenada em um sistema unificado. Não havia lugar para ciclo essencialmente humano dos católicos, de: pecado, arrependimento, reparação, relaxamento, seguidos de novo pecado; nem havia balança de mérito algum para a vida como um todo, que pudesse ser ajustada por punições temporais ou pelos meios de graça da igreja. (WEBER, 1987, p. 81-82)

Se você estava na religião calvinista, não era à toa. Você era um escolhido de Deus. Todos calvinistas deveriam considerar-se o escolhido e combater as dúvidas e tentações do demônio, pois a falta de autoconfiança era falta de fé, portanto de graça imperfeita. De um modo geral, o calvinismo teve não só uma consistência quase única, mas também um efeito psicológico poderoso.

B. O pietismo: O pietismo nasceu de um movimento calvinista na Inglaterra e Holanda. Foi se separando gradativamente até ser absorvido pelo luteranismo. Mesmo não tendo um ajustamento dogmático satisfatório, conservou-se como um movimento da igreja luterana. Era totalmente descrente da igreja dos teólogos. “Desejava, por meio do ascetismo intensificado, gozar a bem-aventurança da comunidade com Deus nesta vida” (WEBER, 1987, p. 91). Sua base religiosa era voltada para a ética vocacional, pois o próprio Deus abençoava seus escolhidos através do sucesso em seu trabalho. E para não dar chance ao azar, pois poderia acontecer de algum pietista não encontrar sua vocação, a irmandade funcionava como um centro missionário e uma empresa de negócios, que dirigia seus crentes no caminho do ascetismo secular.

C. O metodismo: A pretensão do metodismo, segundo seus fundadores, não era formar uma nova igreja, mas apensas “reavivar o espírito ascético dentro da igreja antiga” (WEBER, 1987, p. 65), e foi somente por seu desenvolvimento e alastramento pela América que acabou se separando da igreja anglicana. O metodismo é de caráter sistemático, “metódico” e apresenta uma indiferença pelos dogmas do ascetismo calvinista. Os metodistas acreditam que as boas obras devem ser realizadas apenas para a glória de Deus; que são um meio para se conhecer o estado de graça de alguém, e quem não pratica obras boas não é um bom crente.

Weber diz que podemos “deixar de lado o metodismo como um produto tardio já que ele nada ajuntou de novo ao desenvolvimento da idéia de vocação” (WEBER, 1987, p. 101).

Lulallate Eterno Presidente do Brasil

D. As seitas batistas: A comunidade religiosa batista não é uma igreja, mas sim uma “seita”. Apenas os adultos que conhecessem sua própria fé poderiam ser batizados. O modo de vida do batista foi inspirado em São Francisco, que se desligou de todo o gozo da vida. As seitas batistas “desmistificaram” o mundo, desenvolvendo a mais radical desvalorização de todos os sacramentos que tinham como fim a salvação. Desejavam que sua igreja fosse “pura” pra que conduzisse inocentemente seus crentes.

5. A ascese e o espírito do capitalismo.

Para fazer as discussões desse capítulo, Weber toma o protestantismo ascético como um todo. Uma discussão de ênfase, que é muito séria na religião protestante, é a riqueza. Ela é perigosa*, pois traz consigo o perigo do relaxamento. O “descanso eterno” deve ser deixado para o outro mundo. Na Terra, o homem tem que trabalhar o dia todo, até mesmo os ricos, para que possam cumprir sua destinação, aumentando assim sua glória em Deus. A perca de tempo é o principal de todos os pecados. Provoca conversas ociosas, luxo, além de sono desnecessário para a saúde. O trabalho é a finalidade da vida e o preventivo contra todas as tentações. Quem não tem vontade de trabalhar não tem estado de graça. O crente deve utilizar a sua vocação para atingir o lucro. Se Deus vos aponta um meio pelo qual legalmente obtiverdes mais do que por outro (sem perigo para a vossa alma ou para a de outro), e se o recusardes um dos fins da vossa vocação, e recusareis a ser o servo do Deus, aceitando suas dádivas e usando-as para Ele, quando Ele assim o quis. Deveis trabalhar para serdes ricos para Deus, e, evidentemente, não para a carne ou o pecado. (WEBER, 1987, p. 116). Então, a riqueza só era condenável se praticada com a intenção de construir a vadiagem.

Estas restrições à riqueza levaram o crente a investir o seu capital. A explicação religiosa da vocação foi de extrema importância para justificar as divisões do trabalho no capitalismo, pois estas divisões não poderiam ser injustas, visto que cada indivíduo desempenhava a função que Deus havia lhe destinado. O trabalho vocacional era um instrumento de ascese e, ao mesmo tempo, um meio seguro de preservar a fé. Essa é a mais poderosa expressão do “espírito” do capitalismo, segundo Weber.

Para Calvino, somente enquanto os operários e artesãos fossem pobres eles se manteriam fiéis a Deus, pois quando a riqueza aumenta, a religião diminui. Mas o capitalismo conseguiu desvencilhar-se do “espírito” religioso. Agora, o capitalismo está apoiado em uma base mecânica. Nos Estados Unidos, seu maior desenvolvimento atual do capitalismo, a procura da riqueza está ligada à paixões puramente mundanas, e não mais religiosas.


Francielle Maria Chies

Referência: WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. M. Irene de Q. F. Szmrecsányi e Tomás J. M. K. Szmrecsányi. 5. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1987.



* Devemos ter um cuidado especial com essa discussão. O fato da riqueza ser “perigosa” para os protestantes, não significava que ela era proibida ou que deveria ser evitada. Mas esse assunto será mais bem explicado. adiante.



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