terça-feira, 27 de março de 2012

MIAMI: A INVASÃO IMOBILIÁRIA BRASILEIRA


25/03/2012às 12:00 \ Política & Cia
OUTRO IMÓVEL -- Lipe Medeiros, com o edifício em que mora (ao fundo à direita): ele acaba de comprar outro apartamento, desta vez no centro de Miami


A INVASÃO DOS BRASILEIROS

Com câmbio e preço favoráveis, o mercado imobiliário de Miami vira um nicho de brasileiros ricos, mas – novidade – também da classe média.
Com o real ainda valorizado, a piada do momento é a seguinte: “Hoje em dia, brasileiro rico passa o verão na Bahia. Brasileiro pobre vai para Miami”.

A brincadeira corre em Miami, a principal cidade da Flórida, onde os brasileiros estão sendo recebidos com tapete vermelho. Os brasileiros estão entre os maiores grupos de turistas estrangeiros na Flórida, rivalizando apenas com canadenses, mas são imbatíveis no gasto por visitante.

Em 2010, deixaram 1 bilhão de dólares no estado. No ano passado, o dobro, mas a conta não inclui o setor em que, por artes do câmbio e da sorte, os brasileiros estão se tornando insuperáveis: o setor imobiliário. Em cada edifício novo de Miami, haverá sempre um comprador do Brasil.

“Os brasileiros estão salvando Miami da crise”, diz Craig Studnicky, presidente do International Sales Group, que fechará o ano com 500 milhões de dólares em vendas de imóveis, dos quais 98% vêm de latino-americanos, sobretudo brasileiros e argentinos.
40% dos imóveis de luxo foram vendidos a brasileiros.

“O Brasil é o nosso principal parceiro comercial”, diz o governador da Flórida, Rick Scott, que esteve no Brasil em outubro com uma comitiva de 180 pessoas e defende o fim da exigência de visto para brasileiros. Até meados do ano, a nacionalidade que mais comprava imóveis no sul da Flórida eram os canadenses (33% dos imóveis), seguidos dos venezuelanos (14%) e, em terceiro lugar, dos brasileiros (9%).

Mas, considerando-se apenas imóveis de luxo, com preço acima de 1 milhão de dólares, só dá brasileiro: 40% dos imóveis foram arrematados por brasileiros. “Há muito brasileiro no mercado de luxo”, diz o paulista Lipe Medeiros, veterano morador de Miami e dono do SoFi Group, divisão de luxo da Keller Williams, gigante do mercado imobiliário americano.

Ele mesmo tem um apartamento à beira-mar, no sul de Miami, e acaba de comprar outro no Paramount Bay, por 2 milhões de dólares, com deslumbrante vista da baía. O grande ti-ti-ti do mercado neste momento é a cobertura do St. Regis, sofisticado endereço em Bal Harbour, no norte de Miami, adquirida por 20 milhões de dólares por um brasileiro que implora para que sua identidade não seja revelada.



CASA PRÓPRIA -- Patrícia Musa, em seu apartamento no Vizcayne, no centro de Miami: “Nunca pensei que teria dinheiro para comprar um imóvel aqui”



A classe média alta também tem poder de fogo.

A novidade é que Miami não está atraindo apenas os ricos. A classe média alta brasileira também tem poder de fogo. Em julho do ano passado, a paulista Patricia Musa comprou um imóvel no edifício Vizcayne, no centro de Miami, por 313 000 dólares, aproveitando a baixa dos preços produzida pelo estouro da bolha imobiliária.

“Nunca pensei que teria dinheiro para comprar um apartamento em Miami”, diz ela, que adotou a cidade há seis anos e hoje trabalha como corretora.

“Mas decidi comprar quando descobri que um apartamento de 40 metros quadrados no Campo Belo, em São Paulo, estava por 400 000, 500 000 reais. Fiquei chocada.”
Além do câmbio, a diferença de preço dos imóveis no Rio ou em São Paulo explica a invasão brasileira em Miami. “Eu vendo de três a quatro imóveis a brasileiros por semana”, diz Patricia.
“Eles falam que é mais barato comprar em Miami do que em Ilhabela”, diz, referindo-se à paradisíaca ilha-cidade no litoral norte de São Paulo

A outra novidade é que os brasileiros, na maioria, pagam suas aquisições com dinheiro legal. “Brasileiros e colombianos usam dinheiro legal. Quem usa dinheiro escondido são venezuelanos e argentinos”, afirma um veterano corretor americano, que pede o anonimato para não se indispor com seus clientes.

Sem risco de assalto ou bala perdida.

Além dos preços e do câmbio, Miami oferece um item que lamentavelmente nenhuma cidade brasileira de porte proporciona: segurança pública. Os brasileiros se encantam com a possibilidade de andar na rua com relógio Rolex, desfilar em carros conversíveis e soltar os filhos adolescentes com geringonças eletrônicas sem risco de assalto ou bala perdida.

“Miami é como um Rio de Janeiro seguro”, compara José Ribamar de Castro, maranhense de São Luís e pai de cinco filhos. Ele e sua mulher, Idalegugar, acabam de comprar um imóvel de 308 metros quadrados, no norte de Miami, por 960 000 dólares.
“Aqui se pode exibir o sucesso sem ser cuspido na cara”, brinca o paulista Paulo Bacchi, que dirige uma Ferrari preta, de 2006, e mora em Miami com a mulher e os filhos gêmeos há dez anos. Bacchi é dono da Artefacto, marca brasileira de decoração com duas lojas em Miami. “De 2009 para cá, cresci 100% e metade do meu faturamento vem de brasileiros”, diz.

O mineiro Claudio Faria, da Ornare Miami, especializada em cozinhas, banheiros e armários de alto padrão, é outro impulsionado pelos brasileiros. “Até 2009, só 5% da minha clientela era formada por brasileiros. Hoje, está em torno de 30% a 35%.”

Imóveis novos só para clientes brasileiros

A situação do mercado imobiliário americano ainda é precária. Oficialmente, há 3,5 milhões de residências à venda, mas, contando-se os imóveis ocultos no balanço dos bancos e os que ainda estão ocupados por devedores ou são objeto de disputa judicial, o total pode passar de 7 milhões – um estoque capaz de atender à demanda por um ano e meio.

É muita coisa, o que ajuda a manter os preços baixos. O jornal The Miami Herald fez um levantamento e concluiu que, apenas no sul da Flórida, o número de imóveis mantidos fora do mercado é de 200 mil.

Apesar disso, já começam a surgir novos empreendimentos em Miami – muitos voltados especialmente para a clientela brasileira. Segundo os corretores americanos, os brasileiros gostam de apartamento com varanda, à beira-mar, com vários quartos e preferem plantas em que os dormitórios estejam isolados das salas de jantar e estar – o que não é regra na arquitetura americana. Nos novos projetos, porém, esse desenho já começa a aparecer com mais frequência.

Miami é a cidade do vidro (todo lançamento imobiliário é generoso no material) e de Romero Britto (suas obras estão nos hotéis, no saguão dosprédios, nos shopping centers, na decoração das casas), mas está deixando de ser apenas um reduto de sacoleiros e turistas infanto-juvenis de olho na Disney.

A cidade se transforma — para melhor

A Art Basel, feira de arte contemporânea batizada com o nome da cidade suíça onde nasceu, tem uma temporada em Miami sempre no mês de dezembro. A feira atrai colecionadores de todo o mundo e começou a dar ares cosmopolitas à cidade. Inaugurado há cinco anos, o Center for the Performing Arts, sede da ópera e do balé de Miami, tem espetáculos de dança, música, teatro e recebe musicais da Broadway.

A transformação vem atraindo à cidade algumas celebridades e seu séquito de paparazzi, como Cameron Diaz, Jennifer Lopez e Tom Cruise. Com tudo isso, segurança e estabilidade, Miami é uma lembrança eterna de que o Rio de Janeiro, com sua beleza natural estonteante, poderia ser uma meca do turismo mundial.


VEJA O QUE OS BRASILEIROS ESTÃO COMPRANDO

Miami Beach Sul

Miami Beach Sul: confira abaixo o que significa cada algarismo:

1. APOGEE: é o edifício mais caro de Miami. Tem 67 apartamentos. Mais de 10 unidades são de brasileiros

2. CONTINUUM I e CONTINUUM II: as duas torres somam 505 apartamentos. Entre 30 e 35 unidades foram compradas por brasileiros

3. OCEAN HOUSE: antes da abertura oficial das vendas, um brasileiro comprou a primeira unidade, por 4,5 milhões de dólares

4. W SOUTH BEACH: dos compradores, 65% são estrangeiros. Entre eles, 43% são brasileiros

Miami Centro

Miami Centro: proprietários brasileiros estão por toda parte


1. VIZCAYNE: as duas torres somam 849 apartamentos. Das 420 unidades vendidas, 45% foram adquiridas por brasileiros

2. ICON BRICKELL: tem 1 200 apartamentos residenciais, quase todos vendidos. Os brasileiros compraram 196 unidades

3. INFINITY AT BRICKELL: dos 300 apartamentos relançados no ano passado, cerca de 50 unidades foram compradas por brasileiros

4. MARQUIS MIAMI: das 230 unidades já vendidas, 22 foram adquiridas por brasileiros

5. PARAMOUNT BAY: tem 346 unidades. As vendas começaram no dia 15 de outubro. Já havia 11 brasileiros na lista de espera

Miami Beach Norte

Miami Beach Norte (Detalhe do casal José Ribamar e Idalegugar, na varanda do novo apartamento no norte de Miami: em busca de um Rio de Janeiro com segurança)

1. ST. REGIS: cerca de 10% do edifício foram comprados por brasileiros, incluindo a cobertura de 20 milhões de dólares

2. TRUMP TOWERS I, II E III: juntas, as três torres têm 813 apartamentos. Na torre III, com 271 unidades, 60% dos compradores são brasileiros

3. JADE OCEAN: das 150 unidades vendidas de 2010 até agosto passado, 47 foram compradas por brasileiros, inclusive a cobertura de 4 milhões de dólares

4. PENINSULA II: das 223 unidades, 110 foram vendidas a brasileiros

5. TRUMP HOLLYWOOD: dos 200 apartamentos, já foram vendidos 118, dos quais 15 para brasileiros


FIM DO VISTO PARA BRASILEIROS?

O governador da Flórida, Rick Scott: escancarando as portas do Estado (Foto: Getty Images)


Empolgado com a crescente presença brasileira na Flórida, o governador Rick Scott, 58 anos, republicano, quer escancarar as portas do Estado. Já conversou com a bancada de senadores e deputados da Flórida para simplificar a burocracia para a concessão de vistos a brasileiros que querem viajar para os Estados Unidos e, se puder, irá ainda mais longe: “Acho que não deveria haver exigência de visto para brasileiros”.
Scott fez em outubro sua primeira visita ao Brasil, acompanhado por uma comitiva de 180 pessoas, para estreitar laços comerciais. Ele falou a VEJA.

Por que uma missão ao Brasil?

O Brasil é o nosso maior parceiro comercial. Temos outros parceiros importantes, como o Canadá e o Panamá, cujo canal é essencial para nosso transporte marítimo, mas o Brasil é o principal.
O senhor tentou convencer empresas americanas a se transferir para a Flórida, sem muito sucesso. Por que os brasileiros deveriam se interessar mais pela Flórida?
Somos 19 milhões de habitantes e um dos Estados que mais crescem nos EUA. Os brasileiros adoram a Flórida, creio que são o maior contingente de turistas estrangeiros depois dos canadenses. Temos as melhores praias e o melhor clima do país, talvez do mundo.
Além disso, nosso ambiente é favorável aos negócios. Não somos burocráticos, possuímos uma das menores cargas tributárias dos EUA e não cobramos imposto de renda sobre pessoa física. Depois do Texas, a Flórida é o estado que mais cria empregos no país.

Mas o desemprego passa de 10%, mais que a média nacional.

Sim, mas está caindo mais rápido do que em qualquer outro Estado. A taxa era de 12%, caímos para 10,7%.

O senhor vai oferecer isenções fiscais para empresas do Brasil?

Além de não tributarmos a pessoa física, os impostos sobre pessoa jurídica já são baixos. Por isso, não há muito a oferecer nesse terreno, mas temos programas que facilitam a vida das empresas, com isenções para quem cria empregos de alta remuneração e fundo para empresas que querem se expandir ou se instalar no Estado.

Os brasileiros reclamam da burocracia para obter um visto de entrada nos EUA. Isso pode mudar?

Minha equipe e eu estamos muito focados nesse assunto, que é da órbita federal. Mas já falamos com o governo federal, com a bancada de senadores e deputados da Flórida para tentar mudar isso. Acho que não deveria haver exigência de visto para os brasileiros. Não acredito que teríamos problema com imigrantes ilegais.

(Reportagem de André Petry, publicada na edição impressa de VEJA)

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