domingo, 15 de abril de 2012

QUEM SÃO OS FRANCESES REALMENTE?




Por Karl E. Meer, The New York Times News Service/Syndicate

Quem é francês de verdade?
A língua francesa é justamente renomada por sua clareza e precisão. Contudo, em um assunto aparentemente tão simples, seus falantes não conseguem se entender – quem e o que pode ser definido como francês? A questão se renovou após os assassinatos de Toulouse. Ninguém duvida de que o culpado seja Mohammed Merah, de 23 anos, um jovem de ascendência argelina nascido na França. Mas Merah era francês de verdade?

Segundo quatro membros do parlamento que pertencem ao partido de centro-direita do presidente Nicolas Sarkozy, isso é impossível. Em uma declaração conjunta, eles insistiram que Merah "não tinha nada francês além de seus documentos de identidade".

"Bobagem", retrucou o jornal de esquerda Libération: "Merah certamente era um monstro, mas ele era um monstro francês". Um amigo de infância de Merah explicou de forma comovente: "Nossos passaportes podem dizer que somos franceses, mas não nos sentimos franceses porque nunca fomos aceitos aqui. Ninguém pode justificar o que ele fez, mas ele é um produto da sociedade francesa, do sentimento de quem não tem esperanças, nem nada a perder. Não foi a al-Qaeda que criou Mohammed Merah. Foi a França".

Esses diferentes conceitos sobre o significado de ser francês – um deles baseado em um ideal intransigente de assimilação e o outro nas realidades bagunçadas do multiculturalismo – me tocaram profundamente. Quando estava pesquisando um livro sobre políticas de diversidade com minha esposa, Shareen Blair Brysac, encontrei não apenas a atitude de exclusão predominante nas áreas metropolitanas de Paris, mas também uma visão de mundo mais tolerante, simbolizada pelo porto da cidade de Marselha – uma visão de mundo que seria benéfica para a França toda.

Para os excludentes, o teste de "francesidade" é simples: Você já abandonou qualquer outra identidade que um dia teve? Conforme dito pelo presidente Sarkozy em 2011: "Se você vem à França, você aceita se misturar a uma única comunidade, a comunidade nacional. Se você não estiver disposto a aceitar isso, você não é bem vindo à França. Nós estivemos muito preocupados com a identidade daqueles que chegavam, mas não com a identidade do país que os estava recebendo".

Esse é um problema antigo. Desde o tempo dos jacobinos, até a Quinta República, os legisladores sempre discordaram a respeito de se a nacionalidade deveria ser determinada pelo nascimento, pela ascendência, pelo tempo de residência ou pela assimilação. O acadêmico francês Patrick Weil destacou que a França mudou suas leis de nacionalidade "com maior frequência e de forma mais profunda do que qualquer outra nação democrática".
De que forma uma pessoa se torna cidadão na França dos excludentes? Conhecendo suas referências culturais e as complexas características de seu povo, conforme descrito em 1969 pelo escritor Sanche de Gramont: "O francês não é uma pessoa que possui um passaporte azul marinho e fala a língua de Descartes, mas uma pessoa que sabe quem quebrou o vaso de Soissons, o que aconteceu com o burro de Buridan, porque existe um prato chamado Parmentier e porque Carlos Martel salvou o cristianismo". (Ironicamente, em 1977, de Gramont mudou seu nome para Ted Morgan e se tornou cidadão dos Estados Unidos).

Os efeitos dessa mentalidade excludente são palpáveis. Atualmente, a França conta com a maior população de minoria islâmica da Europa, que responde por 10 por cento de sua população. Ainda assim, os muçulmanos continuam a ser um povo segregado, conforme ficou documentado em 2011 por uma equipe de pesquisadores recrutada pelo Open Society Institute. "Na França", resumiu um dos pesquisadores, "você pode ter qualquer ascendência, mas, se você for cidadão francês, você não pode ser árabe". Ele acrescentou que identidades compostas como "franco-árabe" são "ideologicamente impossíveis".

Essa é a razão para o contraste que se vivencia em Marselha, a segunda maior cidade da França. De seus 840.000 habitantes, quase 240.000 são muçulmanos (mais do que em qualquer cidade europeia). Entretanto, ela é famosa por sua receptividade. Aqui, segundo nos contou Jean Roatta, um político que representa o abastado distrito central da zona portuária, "você é marselhês antes de ser francês". Durante o outono de 2005, quando os confrontos que consumiram os subúrbios parisienses e se espalharam para outras cidades e vilarejos, a paz reinou sobre Marselha. A cidade ainda está longe de ser um paraíso multicultural (muçulmanos desempregados afirmam sofrer com a discriminação), mas essa segunda cidade ainda aponta para a direção correta com sua civilidade receptiva.

Por que? Sem sombra de dúvidas, as temperaturas agradáveis e as praias abundantes ajudam a manter uma atmosfera de tranquilidade, mas a principal razão é que a cidade atrai imigrantes há séculos. E suas minorias não são divididas geograficamente em guetos nos subúrbios, mas são integradas ao dia a dia de Marselha. Tão importante quanto isso é o fato de que diversos prefeitos romperam com as regras para fornecer benefícios especiais de trabalho, de moradia e vantagens políticas para os recém-chegados. Além disso, existe o efeito positivo de seu produto cultural mais típico, o rap; e o poder unificador do popular time de futebol da cidade, o Olympique de Marseille, que conta com muitos jogadores de origem africana. O rap chegou à França nos anos 1980 e os jovens imigrantes de Marselha deram vazão a sua melancolia e a sua frustração em versos salpicados com as gírias da cidade.

O espírito marselhês de tolerância civilizada pode e deve se espalhar para o resto do país? Minha esposa e eu nos lembramos da multidão de voluntários que partiu de uma Marselha poliglota, marchando em direção a Paris enquanto cantava a melodia que deu à França o seu hino nacional: A Marselhesa. Ninguém perguntou a eles se sabiam o que havia acontecido com o burro de Buridan.

(Karl E. Meyer foi membro do conselho editorial do The New York Times e é coautor do livro "Pax Ethnica: Where and How Diversity Succeeds" – Pax Ethnica: Quando e como ocorre a diversidade cultural, inédito no Brasil.)

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Osvaldo Aires Bade Comentários Bem Roubados na "Socialização" - Estou entre os 80 milhões  Me Adicione no Facebook 



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